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Entrevista com Júlio Fischer

  Esta entrevista foi gentilmente oferecida para o site da Piano Class pelo dramaturgo e roteirista Júlio Fischer, que respondeu as nossas perguntas na semana de 20-27 de abril de 1999.
Nós do site da Piano Class e todos os membros da nossa Comunidade agradecemos esta oportunidade.

Júlio Fischer

É dramaturgo e roteirista. Hoje, desenvolve um trabalho para a Rede Globo onde já escreveu: A SONATA (adaptação do conto de Érico Veríssimo), ERA UMA VEZ…, novela de Walther Negrão na qual Júlio foi autor/colaborador, o especial, protagonizado por Angélica, ASAS PARA QUE TE QUERO (em parceria com Teresa Frota) e vários episódios de ANGEL MIX (programa da Angélica). Escreveu, entre outras peças de teatro, A CANÇÃO DE ASSIS que foi, também, publicada em prosa, pela Fundação Roberto Marinho, e distribuída por 3.000 bibliotecas brasileiras. Pai de dois filhos, Júlio atuou intensamente no teatro. Destacamos, também, seu trabalho como assistente de direção de Bibi Ferreira no espetáculo “Brasileiro, Profissão Esperança”.

 

Piano Class

O que o impulsiona a trabalhar para crianças?

Júlio Fischer

       Eu poderia dar uma série de “respostas técnicas” a essa pergunta, como, por exemplo, a de que a criança é o público mais exigente que existe (reage prontamente favoravel ou desfavoravelmente àquilo que lhe é oferecido) o que, por tabela é um estímulo e um desafio à nossa capacidade criadora; poderia responder, também, com uma frase que me foi dita, certa vez, pelo Juca de Oliveira: se você consegue entreter um público infantil, é capaz de se comunicar com qualquer tipo de público. Tudo isso é verdade, mas a MINHA verdade, o que me impulsiona e motiva a escrever para crianças é, no fundo, uma nostalgia da infância (Freud explica…), um desejo de, ao recriar, reviver emoções da minha criança interior que – felizmente! – insiste em não crescer.
Entretanto, não se trata puramente de um processo nostálgico e romântico, não: é também autoconhecimento, é um esforço de dar voz a um lado saudável da personalidade que a gente tende a deixar de lado à medida que vira “gente grande” (entre aspas, mesmo).
Pra além de tudo isso, dessas motivações, digamos, subjetivas, existe também um desejo de atuar, ainda que modestamente, na formação do repertório emocional e intelectual dos pequenos que assistem o nosso trabalho. E é grande a nossa responsabilidade nesse sentido. Falar para a criança é uma oportunidade com a qual não se pode ser negligente.


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Como foi sua formação para tornar-se roteirista?

Júlio Fischer

       Nunca tinha trabalhado com roteiro, sequer cogitado escrever para a televisão, até que ví um anúncio de jornal anunciando a realização de uma Oficina de Roteiristas da TV Globo. Para ser admitido nessa oficina, o “aspirante a roteirista” passa por uma seleção (a criação de um roteiro cujo tema é pré-estabelecido) e uma entrevista. Tive a sorte de passar em todas as etapas de seleção e aí, sim, ao ingressar na Oficina de Roteiristas da Globo teve início a minha formação de roteirista. Essa Oficina é ministrada por um grande professor e mestre: Flávio de Campos, homem de uma bagagem teórica excepcional, profundo conhecedor de literatura dramática e de sua aplicação ao veículo televisivo. Foram três meses de estudo e prática intensivíssimos (quilos e quilos de “lição de casa”) que culminaram na elaboração de dois roteiros.
Terminada a Oficina, fui um dos alunos contratados pela Globo, e meu primeiro trabalho foi, justamente, ser monitor da Oficina que se seguiu, orientando (sob a supervisão de Flávio de Campos) os novos alunos selecionados. O passo seguinte, foi ser colaborador de Walther Negrão na novela “Era uma vez…”, uma nova oportunidade de aprendizado, agora com um dos maiores mestres de telenovela deste país. Aí, quando terminou a novela, a Globo gentilmente me convidou para um workshop de 1 semana com Syd Field (o papa do roteiro no modelão norte-americano).
Em suma, até onde sei, roteiro se aprende assistindo filmes, telenovelas, lendo roteiros, lendo livros sobre roteiros (Syd Field tem vários publicados no Brasil) e, sempre que possível, participar de oficinas de roteiro (volta e meia acontece uma).

 

Piano Class

Qual a sua indicação do melhor caminho de aprendizagem para os futuros profissionais de teatro?

Júlio Fischer

Fazer uma boa escola de teatro e, principalmente, não eleger o sucesso na TV como sua meta máxima. Ou seja, investir em você como profissional, ler, ler, ler muito (peças de teatro, literatura, jornal, bula de remédio, tudo, tudo, tudo). Também uma boa dose de perfecçionismo será muito bem-vinda.

 

Piano Class

Como está o presente e quais as expectativas futuras para o teatro infantil no Brasil?

Júlio Fischer

       Me parece que, de uns anos para cá, os produtores de teatro infantil têm tido uma preocupação maior em oferecer à platéia produtos (espetáculos) de melhor acabamento técnico. Entretanto, fazer teatro infantil no Brasil, no mais das vezes é uma empreitada heróica, e quem se aventura luta com inúmeras dificuldades. Apenas para citar algumas: falta de espaço físico (normalmente os espetáculos têm que utilizar a área que “sobra” do cenário da peça adulta que está em cartaz naquele teatro), falta de prestígio desse tipo de espetáculo (estranhamente um fenômeno muito paulistano; no Rio de Janeiro esse “preconceito” contra quem trabalha para crianças é bem menor), e a falta quase absoluta de espaço de divulgação na mídia. As expectativas futuras? Sempre otimistas, é claro, do contrário já teríamos jogado a toalha. Sempre esperamos que o teatro infantil possa conquistar mais e mais espaço, atrair mais e mais público e, sobretudo, que ganhe cada vez mais qualidade, tanto do ponto de vista do texto como da encenação.

 

Piano Class

Como o teatro atinge as crianças DE HOJE?

Júlio Fischer

       Pelo que tenho observado, sempre que a criança tem a oportunidade de assistir a um bom espetáculo, um espetáculo que a respeite como cidadão inteligente e sensível, ela reage favoravelmente e quer voltar. Agora, cabe aos pais ou responsáveis, escolher com critério o espetáculo ao qual essa criança será exposta. Como testemunho pessoal (vivo numa casa com filhos, sobrinhos, amiguinhos de filhos e sobrinhos, etc, etc) posso contar que, após uma temporada em que eu não acertava muito na escolha dos espetáculos, minhas crianças fizeram greve de teatro, preferiam ajoelhar no milho a assistir a uma peça. Felizmente agora elas já se reconciliaram com o teatro.
É com grande alegria que vejo o diferencial que o teatro oferece às crianças: a magia de presenciar uma história que se desenrola na frente delas ao vivo (sem a menor necessidade de recursos técnico/tecnológicos sofisticados) pode lembrá-las da simplicidade do brincar. Uma simplicidade que se faz tão mais necessária hoje em dia quanto o imaginário infantil vai sendo atrelado às modalidades eletrônicas (passivas) de entretenimento.


Piano Class

E os adultos?

Júlio Fischer

       Acho que o fascínio do teatro incendeia a alma do adulto e da criança indistintamente. Estar numa platéia, em meio a outras pessoas, assistindo ao desenrolar de uma história ao vivo, sentindo a respiração do ator diante de nós, é uma experiência única. Em qualquer idade.

 

Piano Class

Como profissional de teatro, como você vê a relação da música com as outras áreas das artes?

 

Júlio Fischer

       Para mim, a música sempre teve uma participação de grande relevo na dramaturgia (quase tudo o que escreví tem a música como tema ou sub-tema). Acredito que a música tem um papel importante nas artes cênicas, na medida em que tem o poder de expressar sentimentos, estados de alma, que só a palavra de um gênio, como Shakespeare ou Goethe, por exemplo, poderiam traduzir. Bom exemplo disso é a belíssima versão cinematográfica de “Morte em Veneza”, um livro difícil de ser adaptado, mas que graças a uma sacação brilhante de Luchino Visconti (que conhecia música muitíssimo bem, por sinal) confiou à música de Mahler o papel quase que de um narrador, tão poderosa sua força de expressão. Não fosse a música, o filme de Visconti seria incompreensível ou, no mínimo, teria sua dimensão muitíssimo reduzida.